Arquivo

Daily Archives: Outubro 15, 2011

“Everything is becoming Science Fiction”

Em 1906, Mello de Mattos escreveu um conjunto de textos, publicados na Ilustração Portuguesa, onde descrevia como seria a cidade de Lisboa no ano 2000. Uma metrópole  moderna, com meios de transportes vanguardistas que reflectisse uma sociedade evoluída:

Chamamos-lhe Lisboa no anno 2000; mas, se progredirmos a valer e como devemos, dentro de 96 annos teremos ultrapassado tudo quanto phantasiarmos aqui.

A aproximação a uma era utópica graças ao incrível desenvolvimento tecnológico não é um pensamento recente. Já os primeiros escritores de ficção científica previam e descreviam uma sociedade utópica, repleta de novas tecnologias, novos meios de comunicação e cidades incríveis. Familiar? Vivemos pois a materialização dessas previsões e somos cada vez mais esta sociedade idealizada. Por outro lado, estas descrições idílicas acabavam por se tornar sempre em temas apocalípticos ou distópicos.

Everything is becoming science fiction. From the margins of an almost invisible literature has sprung the intact reality of the 20th century [1]

Como reacção, muitos começam a apontar este desenvolvimento e o rumo da sociedade contemporânea como precursor de uma sociedade distópica, uma era onde as novas tecnologias permitem um afastamento e atrofiamento social, o fim da privacidade e, apesar da presente ideia de liberdade, um maior controlo sobre as massasunrepentant, unrestrained turbo-capitalism speeds us towards dystopian catastrophe.  [2]

“A Quest for Meaningo in a Dystopian Era”

É neste contexto que Alice Rawsthorn questiona no seu texto a posição do design. Na demanda de novos propósitos para um design que se apresenta cada vez mais neutro e embrenhado numa cultura controladora e motivada por relações económicas, a autora expõe dois exemplos, o livro ‘Uncorporate Indentity’, do colectivo Metahaven e a exposição ‘Why Design Now?’  da trienal de Design em Nova Iorque, que oferecem respostas bastantes diferentes. Duas visões distintas sobre os desafios que o design encara, uma concepção mais séria (talvez até demais) e outra mais conceptual.

Uncorporate Indentity apresenta-se um livro de ficção científica sobre o design, que descreve as identidades gráficas dentro de sistemas políticos e especulativos interligados. Uma antologia mas acima de tudo uma visão crítica.

After decades of corporate identity being reduced to logos, Metahaven has undertaken a larger project to explore identity in politics and culture, online and across borders. This expansive monograph is its own project – the transformation of a design practice into a research laboratory and think tank. An important book [3]

O trabalho dos Metahaven é fortemente influenciado por colectivos de arquitectos dos anos 60 e pelos seus projectos. O projecto The Continuous Monument, An Architectural Model For Total Urbanisation, do Superstudio, apresentava o plano para uma estrutura que cobrisse todo o globo, eliminando a concepção romântica de ‘lugar’ e restaurando uma ordem cósmica. A ideia de unir o globo pretendia transmitir a ideia de igualdade. Segundo o colectivo, o projecto exacerbava o conceito de utopia tecnológica.  No mesmo ano, 1969, os Archizoom desenvolvem o projecto Non-stop City. À semelhança do projecto anterior, esta ‘cidade infinita’ cria um modelo global de urbanização.

Considering architecture as an intermediate stage of urban organization that has to be overstepped, No-Stop City establishes a direct link between metropolis and furnishing objects: the city becomes a series of beds, tables chairs and cupboards; the domestic and urban furniture fully coincide. To qualitative utopias, we oppose the only possible utopia: that of Quantitty.  [4]

Em oposição a Uncorporate Identity, ‘Why Design Now?’ é um esforço conjunto e internacional para mostrar que actualmente o design não opera sozinho, sendo cada vez mais interdisciplinar, e procurando dar resposta a problemas contemporâneos, passando por questões sociais e ambientais.

 You may think you design in isolation when you sit in front of your computer, but think of your community, your clients, your suppliers, and then think of who they connect with and then their connections.

We are not islands; we are vital nodes in a complex connected system, a system that now needs to shift up into the eco-efficient gear.  [5]

“Why Desgin Now?”

Questionar o papel do design na sociedade, seja esta utópica ou distópica, é uma discussão essencial, não só do nosso tempo. Como consequência das evoluções sociais, económicas, políticas e principalmente tecnológicas, a esfera de actuação do design alterou-se. Possibilitando ainda o desenvolvimento de um pensamento e consciência crítica por parte dos designers.

Intervenções e Manifestos podem ser encarados como respostas directas a estes progressos, sendo trabalhos de cariz pessoal que pretendem oferecer respostas e atribuir significado ao trabalho e ao design feito nos dias de hoje.

Design must be invested with the potential, the intelligence and the tools to break down the new borders it has created by being borderless. [6]

Ainda que não saibamos o que o futuro nos reserva, conhecemos cada vez melhor as capacidades evolutivas do ser humano, positivas e negativas. Cabe-nos então, aproveitar os novos meios e as novas possibilidades para explorar ao máximo uma disciplina como o design, que no entrosamento com as ciências, com as letras, pode até nem salvar o mundo, mas desempenha um papel importante no desenvolvimento da sociedade.

Palavras Chave: Distopia, Tecnologia, Design, Consciência Crítica

Bibliografia e Webgrafia:

MATTOS, Mello, Lisboa no anno 2000, 1906  // http://3.bp.blogspot.com/_pj5uZSZyBBA/TCegV2eK82I/AAAAAAAACA0/XIT59nUnD0E/s1600/Lisboa_p.129.jpg

METAHAVEN, White Night Before A Manifesto // http://www.kein.org/node/199

POYNOR, Rick, Everything has Become Science Fiction, 2010 // http://observersroom.designobserver.com/rickpoynor/post/everything-has-become-science-fiction/23528/

POYNOR, Rick, Design as Dictator // http://www.printmag.com/Article/Design-as-Dictator

RAWSTHORN, Alice, “A Quest for a Meaning in a Dystopian Era”, The New York Times, 2010 //  http://www.nytimes.com/2010/05/17/arts/17iht-design17.html?_r=1

Metahaven falam sobre o seu trabalho e livro Uncorporate Identity // http://www.aaschool.ac.uk/VIDEO/lecture.php?ID=1286

Colectivos de arquitectos // http://www.megastructure-reloaded.org/en/architects-artists/

Utopia or Dystopia? The Politics of Cyberspace // http://www.utexas.edu/lbj/21cp/syllabus/utopia.htm

Notas:

J. G. Ballard , 1971

[2]  POYNOR, Rick, Everything has Become Science Fiction, 2010

[4]  Andrea Branzi, 1969

[5]  Sophie Thomas, 2005

[6]  METAHAVEN, White Nigh Before a Manifesto, 2008